quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Quatro Versões Peruanas do Deus Branco

Viracocha

É de conhecimento geral de quase todas as tribos indígenas Hemisfério Ocidental preservam tradições orais sobre a antiga aparição de um deus branco que desceu dos céus para instruir e organizar seu povo.

Algumas das versões mais interessantes acerca desta tradição tão divulgada vêm do Peru, onde esta divindade lendária é conhecida como Kon Ticci Viracocha, Tunupa, Pachacamac, Tarapaca, ou Arnauan, dependendo da região do país. Quatro dos mais notáveis e aclamados historiadores peruanos, Pedro Cieza de Leon, Sarmeinto de Gamboa, Betanzos e Santacruz Pachacuti, escreveram relatos interessantes sobre este deus branco e barbado. Quando estudados juntos, eles nos dão uma descrição razoavelmente pormenorizada da aparência física, personalidade, e atividades daquele tradicional deus entre ancestrais dos índios andinos.

Pedro Cieza de Leon chegou ao Peru em 1548 como um simples soldado de um destacamento militar enviado para dominar a revolta que se transformou numa guerra civil entre os governadores espanhóis do país. Ficou ali até 1550, tendo visitado quase todas as partes da terra recém-conquistada, observando e registrando as descrições da região, as plantas, os costumes dos nativos, e as maiores facetas de sua história. Manteve um diário de suas observações desde o início de suas viagens na Colômbia em 1541, mas agora Cieza ficaria fascinado com a idéia de escrever uma história do Peru e seu povo. Depois de completar suas obrigações militares, entrevistaria os amautas e os orejones, os nobres e sábios sobreviventes dos incas, assim como os espanhóis qualificados, para saber tudo sobre a história e tradições do conquistado império
Inca.

Ele escreveu no prefácio de seu primeiro livro: “As coisas que escrevo aqui são verdadeiras, além de serem importantes e de grande benefício, pois muitas vezes, enquanto os outros soldados dormiam, eu escrevia até altas horas da noite, caindo finalmente exausto.” A primeira obra de Cieza, La Crônica del Peru, foi originalmente publicada em Sevilha em 1553, enquanto que a última, El Señorio de los Incas, permaneceu impublicada até 1880. No capítulo Cinco de seu Señorio, Cieza registrou a seguinte lenda sobre aparição de um deus branco aos entepassados dos incas:


“Antes de os Incas governarem”, ou antes, mesmo de que se ouvisse falar deles nestes reinos, estes índios falam de algo muito maior que todas as outras coisas que eles contam, pois afirmam que passaram por um longo período de tempo sem ver o Sol, e, como sofriam tremendamente com sua ausência elevaram súplicas e orações aos que reverenciavam como deuses, pedindolhes que restaurassem a luz que haviam perdido; e desta maneira,surgiu ali na ilha de Titicaca, que se encontra no grande lago de Collao, o sol brilhando intensamente, tornando-os muitos felizes.

E, mais tarde, eles afirmaram que da terra do sol do meio-dia, lhes apareceu um grande homem branco, cujo aspecto e aparência demonstravam grande autoridade e profundo respeito, e este homem tinha um poder tão supremo que aplainava as montanhas e transformava as planícies em altas colinas, fazendo fluir água dos seixos; e uma vez que o reconheceram seu poder superior, chamaram-no o criador de todas as coisas, pai do sol, porque dizem que ele fez muitas grandes coisas, pois deu vida aos homens e animais, e de sua mão receberam notáveis benefícios.

De acordo com que os índios me contaram e de acordo com o que ouviram de seus pais e nas canções antigas, este homem dirigiu-se para o norte, realizando vários milagres em sua jornada através das montanhas, e nunca mais eles o viram novamente. Em muitos lugares ales afirmam que ele deu mandamentos aos homens sobre como viver, e que falava com amor e muita humildade, admoestando-os a serem bons e não causarem mal uns aos outros; pelo contrário, deveriam amar-se mutuamente e ter caridade. Geralmente o chamam Ticiviracocha, embora na província de Collao, o chamem de Tuapaca, em outros locais seja conhecido como Arnauan.

Diversos templos foram construídos para ele em diferentes lugares, onde erigiram estátuas de pedra à sua semelhança, ante as quais ofereciam sacrifícios. Dizem que enormes figuras de pedra da cidade de Tiahuanacu foram construídas nesta época, e embora por tradição herdada do passado, os índios recontam o que digo sobre Ticiviracocha, eles não afirmam nada mais sobre ele, nem que tenha retornado a qualquer parte deste reino.”

Pedro Sarmiento de Gamboa foi um famoso navegador e capitão do exército espanhol. Enquanto aquartelado em Cuzco, Peru foi-lhe ordenado pelo vice-rei, Francisco de Toledo, que compilasse uma história dos Incas. Sarmiento convocou alguns dos mais velhos sábios ainda vivos na antiga capital Inca e entrevistou-os individualmente comparando seus testemunhos e fim de chegar às suas conclusões e fazer a compilação. O manuscrito preparado por ele recebeu o nome de Historia de Los Incas Llamada Indica, sendo o segundo originalmente planejado para ser três livros separados. O manuscrito permaneceu impublicado e em poder dos reis espanhóis por muitos anos, sendo finalmente vendido à biblioteca da Universidade de Göttingen (Alemanha), onde foi descoberto e publicado em 1906. A versão de Sarmiento sobre a lenda do deus branco é a seguinte:

“Todos os índios concordam que foram criados por este Viracocha, um homem de estatura mediana, branco e vestido com uma túnica alva ao redor do corpo, carregando uma vara e um livro nas mãos. Depois disso, contam uma história estranha; isto é, que após este Viracocha ter criado todas as pessoas, dirigiu-se a um local onde um grande grupo se havia reunido. Viracocha continuou sua jornada, realizando obras piedosas, instruindo as pessoas que havia criado e desejando deixar a terra do Peru, fez um discurso, advertindo-os sobre as coisas que aconteceriam no futuro. Advertiu-os de que outros viriam dizendo ser o Viracocha, seu Criador, e que eles não deveriam acreditar nos impostores, mas que no futuro ele enviaria seus mensageiros para auxiliar e ensinar. E falando isto, ele e seus dois companheiros dirigiram-se para o oceano, andando sobre as águas, sem afundar, como se estivessem andando em terra firme.”

Juan Betanzos estava entre os primeiros conquistadores espanhóis que invadiram o Peru com Francisco Pizarro (conquistador espanhol e governador do Peru, 1470-1541). Imediatamente após entrar no pais, Betanzos começou a estudar Quíchua, a língua dos Incas, até tornar-se suficientemente versado para ser nomeado intérprete oficial da corte real. Era tão perito na língua nativa que suas primeiras publicações foram dicionários de espanhol e quíchua. Betanzos casou-se com uma das ex-princesas incas e morou em Cuzco, compilando pessoalmente datas e observações até 1551, quando surgiu sua maior obra sobre as tradições e história dos índios andinos. Suma y Narración de Los Incas. Preocupou-se em preservar a “norma de falar dos nativos” em seus escritos. Esta é a descrição de Betanzos para o deus Viracocha:

“Ao perguntar como era este Viracocha, quando os antigos o viram e de acordo com as tradições que foram transmitidas aos índios, disseram-me que era um homem de alta estatura, usando uma roupa que chegava até os pés, com um manto preso na cintura; seu cabelo era curto e tinha uma coroa na cabeça como a de um sacerdote. Andava com a cabeça descoberta a trazia algo nas mãos que pareciam pequenos livros religiosos que os sacerdotes levam consigo hoje. Perguntei-lhes o nome desta pessoa em cuja honra o monumento de pedra foi erguido e eles disseram-me que era chamado Con Tici Viracocha Pachayachachic, o que em sua língua significa ‘deus, criador da terra’.

Pouco se conhece sobre o autor da próxima lenda, a não ser que era um índio do setor sul do império Inca, que se orgulhava de haver sido “cristianizado”. Seu longo pseudônimo era Don Juan de Santacruz Pachacuti Yamqui e seu manuscrito, uma curiosa mistura de palavras espanholas e quíchuas, permaneceu impublicado até 1880. Todavia, a versão de Santacruz Pachacuti para a tradição do deus branco é mais interessante:

“Alguns anos depois de os demônios serem expulsos desta terra, apareceu nestas províncias e reinos de Tabantinsuyo um homem barbudo, estatura mediana cabelos longos, usando uma túnica comprida e dizem que era mais velho do que moço. Tinha cabelos brancos, era magro, andava com um cajado e ensinava o
povo com grande amor, chamado a todos filhos e filhas. Todavia, nem sempre era ouvido ou obedecido por todas as pessoas, e quando caminhou pelas províncias realizou vários milagres: curou os doentes, tocando-os com as mãos; não trazia pertences nem possuía rebanhos de animais.


Dizem que este homem falava as línguas das províncias melhor que os próprios nativos e chamavam-no Tonapa ou Tarapaca Viracochanpa Chayachicachan ou Pacchacan e Bicchhayacanayoc Cunacaycamayoc. Ele repreendeu o povo com grande amor perto do apotampo (hospedaria ou alojamento), e eles ouviam-no com enlevada atenção recebendo a vara de sua mão, de modo que numa vara receberam o que lhes havia sido pregado, indicando e salientando cada capitulo do discurso. De acordo com os índios, este homem chamado Thonapa caminhou por todas as províncias de Collasuyos (nome de uma região do império Inca), pregando incansavelmente.

Este Thonapa amaldiçoou uma certa cidade e ela submergiu, sendo hoje chamada de Yamqui Capacocha, o lago que todos os índios dizem ter sido uma cidade importante antigamente, e agora é um lago. Uma outra coisa que eles contam é que no topo de uma montanha chamada Cachapucara havia um ídolo em forma de mulher, e dizem que Tunapa odiava este ídolo. Mais tarde, ele faz com que fogo descesse do céu e queimasse a montanha e o ídolo, destruindo e derretendo a montanha como se ela fosse de cera, ate hoje existem vestígios deste terrível milagre, nunca ouvido anteriormente pelo mundo. Afirmam que Tunapa continuou seu caminho através do rio Chacamerca até chegar ao oceano e neste ponto atravessou o estreito para o mar. Isto foi verificado pelos incas muito antigos.”

Sintetizando-se os elementos das quatro versões peruanas sobre a tradição do deus branco numa única descrição surge um interessante perfil do deus Viracocha. Ele era um deus criador que veio visitar os homens que havia criado, para instruí-los e organizá-los. Com tez branca e uma compleição de mediana para grande, ele vestia uma túnica branca cingida na cintura e que lhe caía até os pés. Já não tão jovem, era esguio e possuía cabelo branco. Quando caminhava, levava uma vara e um livro nas mãos, e algumas vezes foi visto com uma coroa na cabeça. Demonstrava uma autoridade superior, embora falasse com amor e humildade, chamando a todos de seus filhos e filhas.

Aparecendo muito tempo antes do império Inca, vinda deste Viracocha constituiu-se na mais importante e singular tradição dos índios andinos. Vários dias antes de sua aparição, o sol escureceu e o povo sofreu tremendas privações devido à falta de luz solar. Somente após intensas súplicas e orações foi restaurada a luz, e depois do que apareceu Viracocha. Por todos os lugares que passava nas montanhas do Peru realizava milagres. Diminuía as colinas e levantava os lugares planos, transformando-os em montanhas.

Obtinha água das pedras, deu vida aos homens e animais, e andou sobre as águas. Curou os
doentes com simples toque de suas mãos e falava todas as diversas línguas da região com igual fluência. Viracocha amaldiçoou uma cidade e ela foi coberta por um lago, tendo seus habitantes perecidos afogados. Uma montanha amaldiçoada por ele foi consumida pelo fogo dos céus.

Deu mandamentos aos homens para que amassem o próximo e fossem caridosos e castigou o povo por suas más ações. Deu-lhes uma cópia de seu discurso escrito numa vara, salientando as partes principais. Falando a uma enorme congregação, predisse os acontecimentos que estavam por vir, advertindo-os de que alguns homens viriam em seu nome, alegando falsamente serem Viracocha. Então prometeu-lhes enviar em épocas futuras verdadeiros mensageiros e servos para ensinar e auxilia-los. Não possuindo bens terrenos, Viracocha partiu para o oceano depois de terminar sua visita e o povo nunca mais ouviu falar dele novamente.

É fácil compreender por que algumas pessoas afirmam haver sólida correlação entre numerosas versões da lenda do seu deus branco encontradas entre os povos indígenas da América, e o relato da visita do Cristo ressureto à América, conforme registrado no Livro de Mórmon. Muitos dos pormenores destas versões peruanas da lenda parecem corroborar tal afirmação. Na verdade, parece-me que os índios peruanos que os índios aos primeiros historiadores espanhóis se lembram muito bem da história.


(Artigo, publicado na Revista A Liahona, uma publicação mensal de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, seu autor é Kirk Magleby, maio de 1984, pp. 37-41)

Um comentário:

  1. obrigado, isso tirou uma duvida que eu tinha?, deus nunca abandonou os índios, pregava para eles também.Ensinando o que era bem o que era mal, e distribuindo castigo aos maus, assim como fez com os Brancos.

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